quarta-feira, 18 de março de 2009

Devaneios

Passo tristonho pelas ruas e ouço gargalhadas alheias. Arco-reflexo, levanto a cabeça e procuro a origem dos sons. Três moças riem de algo, dentro de alguma loja com fachada de vidro. Quando os olhares se cruzam, a gargalhada cessa, esconde-se, procura um buraco, enterra-se. Tenho raiva das gargalhadas alheias, procuro-as, quero devorá-las, quero que sumam dentro de mim. Quero-as pra mim. Dentro dessa solitude irrequieta, não admito que os outros riam e comemorem, quando pra mim todas as risadas e comemorações parecem irreais e falsas.


Mantenho o olhar, já quero pedir desculpas, a negritude dentro de mim quer saltar, procurar a gargalhada que se calou, fazer as pazes, tornar-se amiga, rir e comemorar. Quando os olhares magneticamente se repelem, no entanto, todo o sentimento de reconciliação com o mundo se esvai, volto a mim mesmo, pés que não param, brasa queimando, fumaça que sobe.


É irredutível essa calmaria negra, esse mar de piche no qual nado. Transformo-me, quero ser violino desafinado, que grita e esperneia de forma tão bruta que até mesmo os pêlos de cavalo que formam o arco se arrepiam. Quero ser Valsa Negra, enfurecida, cordas em fogo, e que todos dancem. Dancem, não parem, pés descalços, sigam a melodia. Guardem as gargalhadas nos bolsos, não há espaço pra essas coisas aqui, pés que giram, em colérica ciranda, esfalecendo-se sob meus desejos.


Billowing out to somewhere

Billowing out, Luna Riviera

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